terça-feira, 15 de março de 2011

Major mantido no Ciodes após áudio revelar negligência policial

Morte poderia ter sido evitada. "Eu te avisei, moça, que tinha alguém rodeando a minha casa", diz a mulher da vítima (foto). Ouça áudio


Major Nilton, Diretor do Ciodes. Banco
Major Nilton Rodrigues Ribeiro disse nas gravações que a situação era grave e que temia perder o cargo se o caso se tornasse público.
Ouça áudio com as gravações

Vítima não quis dar queixa das ameaças

A Secretaria Estadual de Segurança Pública salienta que "averiguando as circunstâncias em que o crime ocorreu, apurou que a morte do Cabo Djalma José de Oliveira (PM) também poderia ter sido evitada" se o militar não tivesse desistido da ocorrência que havia sido registrada pelo soldado Teotônio de Oliveira, filho do cabo Djalma, no mesmo dia do crime.

Na ocorrência foi relatado que o Cabo Djalma estava sendo ameaçado de morte por um homem chamado Rafael de Jesus, morador do bairro Vila Nova de Colares, na Serra. Após o registro da ocorrência, o acusado foi abordado pela P2 (Serviço Reservado da Polícia Militar), para ser encaminhado à Delegacia de Polícia.

Mas, segundo a nota, "como o cabo Djalma preferiu desistir da ação, o acusado foi liberado e, horas depois, o assassinou".


O major Nilton Rodrigues Ribeiro foi mantido na chefia do Centro de Operações e Defesa Social (Ciodes-190) pelo secretário de Segurança Pública, Henrique Herkenhoff.

A permanência do major no cargo foi questionada nesta sexta-feira (11) por causa do vazamento de áudios do Ciodes que revelam que a Polícia Militar poderia ter evitado um assassinato em janeiro de 2009.

Na ocasião, a esposa da vítima ligou para o 190 cerca de meia hora antes do crime e avisou sobre suspeitos que rondavam a casa, mas nenhuma viatura foi enviada ao local, no bairro Vila Nova de Colares, Serra.

O secretário Estadual de Segurança Pública, Henrique Herkenhoff, disse, no entanto, que não há motivo para afastar o diretor do Ciodes e que o major foi severo e correto ao saber o que havia acontecido. "As gravações fortaleceram ainda mais a minha confiança nele".

O cabo da reserva da Polícia Militar Djalma José de Oliveira, 54 anos, foi morto no dia 09 de janeiro de 2009 quando tentava impedir que criminosos ateassem fogo na casa do vizinho. Após não receber socorro quando pediu, a esposa do cabo ligou novamente para a atendente do Ciodes para informar que o marido havia sido assassinado. "Eu te avisei, moça, que tinha alguém rodeando a minha casa. Eu percebi, por favor, moça".

O major Nilton chegou a dar entrevistas afirmando que a mulher não havia acionado o Ciodes em tempo hábil, mas de acordo com as gravações, após falar com a imprensa ele foi informado pelo capitão Peçanha sobre a ligação feita meia hora antes do crime.

Na conversa com o capitão, o major se mostra preocupado e indignado com o cancelamento da ocorrência. O responsável seria o cabo Elionai Moraes dos Santos, que recebeu informações sobre o chamado no Ciodes, mas ignorou o pedido de socorro. "Como é que um sujeito cancela uma ocorrência dessa, bicho? Onde é que ele está com a cabeça?".

foto: Nestor Müller - GZ
 Djalma José de Oliveira
Djalma foi assassinado quando tentava impedir que criminosos ateassem fogo na casa do vizinho
O capitão aponta um possível motivo: "A ocorrência chegou como averiguação de suspeito, aí o pessoal começa a fazer corpo mole". O major Nilton retruca: "Eu já falei, averiguação de suspeito é algo muito importante para nós para evitar que um crime aconteça. Eu falo isso na televisão, eu falo isso para todo mundo. Pelo amor de Deus, aí o cara arrebenta a gente".

O major, ainda nas gravações, diz que a situação é grave e que teme perder o cargo se o caso se tornasse público. Ainda no início de 2009 o cabo Elionai foi afastado do Ciodes pelo major Nilton, mas não sofreu nenhuma punição por parte da Corregedoria da Polícia Militar e continua na ativa.

Nesta sexta-feira (11) o secretário de Segurança Pública, Henrique Herkenhoff, reconheceu que a ocorrência não deveria ter sido cancelada pelo cabo. "Ele, possivelmente, não teve condições de atender mesmo àquela ocorrência, de encaminhar uma viatura. O que ele não poderia era ter cancelado, mas isso foi apurado. Ele pode ter feito isso por um erro. Ele era inexperiente na época, estava recebendo um treinamento, um acompanhamento. Falhas podem ocorrer".

Sobre o vazamento dos áudios do Ciodes o secretário afirmou que deve haver uma apuração para investigar como os diálogos, sigilosos, tornaram-se públicos.

Já o comandante da PM, coronel Anselmo Lima, disse ser prematuro avaliar a conduta do major Nilton. Mas frisou que a população pode confiar no Ciodes. "Com certeza a população pode e deve confiar no Ciodes. Com relação a essas questões, elas devem ser apuradas. E é o caminho que será percorrido. Mas nós ratificamos que a população pode acreditar no Ciodes, que é um local de trabalho, e que tem atendido aos anseios da sociedade".

Essa postura também é defendida pelo secretário Herkenhoff. Ele afirmou que o atendimento do Ciodes pode ser prejudicado pela falta de recursos e pessoal no momento da ocorrência, mas que isso não invalida o serviço.

As declarações do secretário e do comandante da PM foram feitas durante uma coletiva de imprensa convocada para o anúncio da integração da Polícia Rodoviária Federal (PRF) ao Ciodes. O convênio foi assinado pelo governador Renato Casagrande (PSB) nesta sexta-feira no Palácio Anchieta, em Vitória. O major Nilton não compareceu ao evento.

Confira uma das conversas entre o major Nilton e o capitão Peçanha

Janeiro de 2009

Major: Que m... essa do cabo, hein, bicho. P... cara, eu vou te falar um negócio. Isso é... como é que um sujeito cancela uma ocorrência dessa, bicho? Onde é que ele está com a cabeça.

Capitão: A ocorrência chegou como averiguação de suspeito, aí o pessoal começa a fazer corpo mole.

Major: Eu já falei, averiguação de suspeito é algo muito importante para nós para evitar que um crime aconteça. Eu falo isso na televisão, eu falo isso para todo mundo. Pelo amor de Deus, aí o cara arrebenta a gente.

Capitão: É, complicadíssimo.

Major: Um cabo nosso morreu, olha o resultado disso, bicho. Agora se a imprensa toma conhecimento disso? Eles sabem que a mulher ligou mais cedo?

Capitão: É, foi justamente isso que gerou... A mulher falou na imprensa que que tinha ligado mais cedo.

Major: Tá, aí hoje de tarde a (assessora) da comunicação me trouxe a ocorrência, mas a ocorrência que ela me trouxe foi a ligação da mulher 0h40, 0h39. Meia-noite e 46 a viatura estava lá.

Capitão: Que é a ocorrência do crime.

Major: Que é a do crime.

Capitão: É.

Major: Então, na minha cabeça só tinha essa ocorrência. E eu acabei na minha entrevista que eu dei para a menina da imprensa a ligação foi 0h39.

Capitão: É, então, eu comecei a buscar tudo aqui e eu tô vendo a observação que ele colocou aqui como motivo para ter cancelado a ocorrência é que a RP (Radiopatrulha) seguiu para as imediações para atendimento de homicídio. Mas é justamente esse homicídio. Ele botou isso aí depois que cancelou.

Major: E a hora da ligação era meia-noite e pouquinho, né?

Capitão: Meia-noite e nove.

Major: Nossa mãe do céu.

Capitão: Tá esquisito aqui... Eu, a princípio, tinha achado que a menina (a atendente que falou com a mulher da vítima) não tinha gerado a ocorrência pela ligação, mas depois eu busquei, achei a ocorrência, então não foi erro dela não.

Major: É, então, foi para a tela do operador (o cabo). O operador é que foi insensível, irresponsável, deixou lá. As pessoas têm que ter... não perder a consciência de que isso aí é algo importante. Ser operador de rádio é algo que salva vidas.

Capitão: Com certeza.

Major: Isso não é uma funçãozinha à toa, não. Que isso, gente? A gente fica indignado porque é só a gente se colocar no lugar do cabo e da mulher dele. Imagina você com a sua esposa numa situação dessa?

Capitão: Com certeza.

Major: Como é que faz, bicho?

Capitão: Essa aqui é uma prova verbal de que nossa missão é uma missão muito importante.

Major: Pois é. E se isso cai na imprensa ? Posso te falar uma coisa? Eu caio. Eu tô fora. Eu tenho certeza disso. Isso é um escândalo. Mexe com tudo, meu amigo. Mas é isso aí. Então falou, Peçanha.

Capitão:
Tá ok, major.

Major:
A imprensa voltou a procurar?

Capitão: Não, não, não.

Major: Eu acho que a entrevista que eu dei hoje o assunto morreu ali, na minha entrevista.
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